Acidente tirou a vida de cinco pessoas e deixou outras vinte e três feridas; parentes cobram justiça e segurança nas passagens de nível da cidade
Um ano após a maior tragédia de Jandaia do Sul, no norte do Paraná, familiares das vítimas do acidente do ônibus da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) com um trem da concessionária Rumo cobram justiça e segurança nas passagens de nível da cidade. O acidente causou cinco mortes, deixou 23 feridos, colocou em xeque a segurança nos cruzamentos rodoferroviários e abalou a vida dos sobreviventes e de quem perdeu entes queridos na colisão.
Entre as pessoas diretamente afetadas pelo ocorrido está Sueli Aparecida da Silva, mãe do pequeno João Lucas dos Santos Silva, de 8 anos. Ele morreu 14 dias depois do acidente no Hospital Metropolitano de Sarandi. “A minha vida agora é chorar, porque eu não sei mais viver sem o meu filho, está sendo muito difícil. Estou tentando, é um dia após o outro, mas tá muito difícil até falar sobre aquele dia. Aquele motorista apagou o sorriso do João, apagou tudo do João, deixou o João triste”, lamentou Sueli.
A mãe lembra com saudades dos olhos do filho e lamenta que nenhuma providência ainda tenha sido tomada para evitar que outras famílias passem pela dor que ela vive hoje. “Aquele dia o João fechou os olhinhos para nunca mais abrir. Todo o tempo que ele ficou naquele hospital entubado, ele não abriu os olhinhos em nenhum momento. Os olhinhos dele eram a coisa que eu tanto admirava, os irmãos dele todos têm olhos claros. A cancela que tinha que ter não tem, só tem uma placa lá, mas tem gente que respeita e outros não. Peço para as autoridades tomarem uma providência, não deixar que o pior aconteça novamente”, cobrou a mãe.
Conforme Sueli, os processos cível e criminal sobre o acidente estão em andamento, porém até agora ela não viu efetivamente nenhuma providência sendo tomada. “Nós, pais, queremos justiça. Esse acidente foi brutal. O motorista alega que não tinha a intenção de matar, mas ele só se preocupou com a própria parte, os outros morreram por imprudência. Almejo por justiça. As crianças são o nosso bem maior que todo mundo tem. Aquele dia, para mim, foi o pior dia da minha vida”, declarou Sueli.
Além de João, também faleceram as primas Maria Vitória Gomes Ferreira, com 11 anos, e Kimberly Caroline Ribeiro Pimenta, 15 anos, e a cozinheira da Apae, Isabel Aparecida Gimenes Figueiredo, 55 anos. Uma aluna, Maria de Lourdes Henrique, de 56 anos, que sobreviveu ao acidente, faleceu dias depois na casa da família.
Luciene Galo, mãe de Raphael Retamiro Sote, um dos alunos que estava no ônibus, relatou que as famílias não receberam auxílio. “Em relação a este caso, nós não temos nada, absolutamente nada. Não teve assistência, não teve indenização, não teve psicóloga. Eu não tive tratamento psicológico, meu filho não teve. A gente não teve nenhum tipo de apoio, nenhuma ajuda de custo, nada” explicou.
As marcas emocionais que o acidente deixou em Raphael e nos outros, segundo a mãe, são um desafio diário.“Todo mundo ficou à deriva, todo mundo ficou isolado, todos se calaram. O Raphael, quando ouve barulho do trem passando ou quando começa a chover – porque na hora do acidente estava chovendo – ele se esconde debaixo da cama, rasga lençóis, fica nervoso. Eu não sei como lidar, porque ele não fala muito”, afirma.
FAMÍLIAS PROCESSAM MUNICÍPIO
Ângelo da Silveira, advogado que representa os familiares de João Lucas e de outras vítimas do acidente, informa que o processo cível tramita na Vara da Fazenda Pública de Jandaia do Sul e aguarda sentença. Segundo o advogado, a juíza que conduz o caso entende que os documentos e vídeos envolvendo o acidente são suficientes para o julgamento da causa, não demandando necessidade de ouvir testemunhas.
“Os familiares de João Lucas dos Santos Silva buscam na Justiça a reparação pelos danos em ação cível, processo/decisão que não lhes devolverá paz e nem as alegrias que o menino João lhes proporcionava, mas que também possui intuito de mostrar para a sociedade que os culpados não podem se eximir de responder, sob a força da lei, pelo mal que causaram e na extensão dos danos sofridos pelas vítimas”, disse o advogado.
A tragédia ensejou muitas discussões na época, incluindo propostas de alteração na legislação federal e criação de grupos de trabalho. De lá para cá, alguns cruzamentos na região ganharam semáforos, o que não ocorreu no cruzamento da Rua Presidente Kennedy, onde o acidente aconteceu. Silveira afirma que não há sinais de medidas ou sinalizações de trânsito no local e nem modificações nos demais cruzamentos de linhas férreas de Jandaia do Sul. “Tal situação é corroborada pelo acidente recente de em janeiro de 2024, envolvendo uma carreta e novamente a locomotiva da Rumo no cruzamento vizinho ao do acidente com o ônibus com alunos da Apae”.
Em agosto do ano passado, o motorista que dirigia o ônibus da Apae no momento do acidente foi indicado por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Ele responde o processo em liberdade e aguarda julgamento. A reportagem tentou obter mais detalhes junto ao Fórum de Jandaia do Sul, que informou que o processo criminal corre em segredo de justiça. De acordo com informações apuradas junto a Prefeitura de Jandaia do Sul, o motorista foi exonerado do cargo logo após ser indiciado.
MUNICÍPIO ADOTOU NORMAS DE SEGURANÇA
A chefe do Departamento de Educação e Esportes de Jandaia do Sul, Sheila Cristina da Silva, afirma que muita coisa mudou no sistema de transporte escolar desde o acidente. Segundo ela, o município adotou novas normas de segurança mediante orientação do Ministério Público (MP) além de exigências legais, como a criação de legislação específica para o transporte escolar com a adoção de carteirinhas de estudantes; realização de concurso público para motorista e monitor escolar; georreferenciamento para que os alunos estudem perto de suas casas e evitem o transporte escolar.
O departamento também passou a monitorar as licenças dos veículos do transporte escolar que também são vistoriados conforme prevê a legislação.
NOTA DA RUMO
Em nota, a Concessionária Rumo salienta que a conclusão do inquérito da Polícia Civil do Paraná apontou para direção culposa do motorista do ônibus escolar que avançou a preferencial da linha férrea, desrespeitando as leis de trânsito e não adotando um comportamento seguro ao realizar a travessia.
“As imagens registradas na época mostram que o local estava devidamente sinalizado e todos os procedimentos de segurança foram adotados pelo maquinista (buzina e freios de emergência)”, diz o texto.
A nota diz ainda que a concessionária tem se empenhado na conscientização e prevenção de acidentes, realizando diversas campanhas em vários municípios. No entanto, mesmo com esses esforços, atitudes imprudentes infelizmente persistem.
“A Rumo reforça a importância do cumprimento das normas de trânsito, especialmente ao cruzar passagens em nível, e continua comprometida em intensificar suas iniciativas educativas para promover a segurança nas vias”, ressalta.
Sobre os serviços de roçada e manutenção nas proximidades da linha férrea, a empresa disse que mantém diálogos e solicita apoio da administração municipal para executar os serviços de forma periódica, no entanto, o crescimento acelerado da vegetação devido às chuvas recentes tem sido desafiador em toda região Norte do Paraná. Em resposta à alta demanda, a empresa está em processo de contratação de uma nova frente de serviço para agilizar os atendimentos.
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